domingo, 2 de fevereiro de 2014

Crash - no limite

Para M.C.

O que dizer de um filme como Crash - no limite? Não é um filme que você gosta. Não é um filme que alguém deva gostar. Pelo contrário, deve detestar as situações de preconceito e de discriminação, as misérias humanas que são mostradas e seus protagonistas. Não sou crítico de cinema, mas realizarei algumas indicações...

As atuações são excelentes. Todos os personagens conseguem transmitir a vertigem de sua condição humana, recheadas de contradições e semelhanças com exemplos cotidianos, exemplos que encontramos em nós mesmos também. Me lembro, por exemplo, da primeira vez que entrei em uma mesquita xiita e de todo preconceito que eu tinha. Lembrei da primeira vez que fui a uma festa onde maioria das pessoas eram negras e do "natural" sentimento de deslocamento que tive. Lembro de muitas misérias minhas que trabalhei e que pude superar somente com as esmolas e contribuições morais que recebi, para o bem e para o mal, de meus irmãos na humanidade.

A direção é excelente. Todas as cenas são muito bem focalizadas, os jogos de luz e sombras; as cenas diurnas me pareceram ter uma finalidade de esclarecimento, enquanto as noturnas puderam indicar os sentimentos íntimos / internos dos personagens.

Se estou elogiando os elementos do filme, por que não gostar dele? Por que ele não é uma filme para apreciar. É um filme para aprender, para aprender uma dura lição: a de que somos, no limite, miseráveis, que nos esbarramos e nos machucamos em nosso cotidiano e em nossas vidas, que podemos realmente destruir a vida de uma pessoa com um simples gesto ou ação, ou mesmo retirar a esperança de um coração por não termos a (sagrada) compreensão de nosso papel na vida de nossos irmãos. Quando perdemos a perspectiva humana - ou seja, universal -, corremos o risco de repetir os erros dos protagonistas desse filme.

... gostar de Crash - no limite é como gostar de "Um homem é um homem" de Bertolt Brecht, é como gostar da miséria humana. Certamente, nenhuma miséria humana é digna de apreço; as lições que elas trazem sim. Desse modo, sou extremamente feliz por ter tido a oportunidade de aprender muito vendo esse filme. Como obra de arte? Excelente filme. Como lição? Excelente também. Como representação da escuridão de nossa alma? Medonhamente exato.

Durante o filme, chorei; principalmente após a primeira meia hora, quando percebi o quanto estive um dia embrenhado no preconceito e nas trevas da ignorância. Não que não esteja mais, o que me deixou triste, mas o quanto ainda tenho que combater por mim e pelos outros. Essa jihad é essencial... Já disse o Profeta Muhammad, que a paz e as bençãos de Allah estejam sobre ele, no Sermão da Despedida que Um árabe não é superior a um não-árabe, nem um não-árabe tem qualquer superioridade sobre um árabe; o branco não tem superioridade sobre o negro, nem o negro é superior ao branco; ninguém é superior, exceto pela piedade e boas ações.  Aprendam que todo muçulmano é irmão de todo muçulmano e que os muçulmanos constituem uma irmandade. Nada que pertença a um muçulmano é legítimo para outro muçulmano a menos que seja dado de livre e espontânea vontade. Portanto, não cometam injustiças contra vocês mesmos. (extraído de http://www.islamismo.org/ultimo_sermao.htm)


Como costumamos dizer muitas vezes ao dia: Allah, guia-nos à senda reta. Tal filme perpassa pelas lições dessa senda.

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