quarta-feira, 24 de abril de 2013
Noite escura - Canções da alma que goza o ter chegado ao alto estado da perfeição, que é a união com Deus, pelo caminho da negação espiritual
Em uma noite escura,
com ânsias, em amores inflamada,
ó ditosa ventura!,
saí sem ser notada,
estando em minha casa sossegada.
Na escuridão, segura,
pela secreta escada disfarçada,
ó ditosa ventura!,
na escuridão, velada,
estando minha casa sossegada.
Na noite mais ditosa
em segredo, pois que ninguém me via,
de nada mais ciosa,
sem outra luz ou guia,
se não a que no coração ardia.
Essa luz me guiava
mais certa do que a luz do meio-dia,
lá onde me esperava,
quem eu bem conhecia,
num sítio onde ninguém aparecia.
Ó noite que guiaste!,
ó noite mais amável que a alvorada!,
ó noite que juntaste
Amado com amada,
amada em seu Amado transformada!
Em seu peito florido
que todo para ele eu só guardava,
ali ficou dormindo,
e eu sempre o regalava
e o ventalho de cedros brisa dava.
Da ameia a brisa amena,
quando eu os seus cabelos afagava,
com sua mão serena
o meu colo tocava
e todos meus sentidos suspendia.
Deixei-me e olvidei-me,
o rosto reclinei sobre o Amado,
cessou tudo e deixei-me,
deixando o meu cuidado
por entre as açucenas olvidado.
Juan de la Cruz (extraído de Juan de la Cruz: pequena antologia amorosa. Rio de Janeiro: Lacerda Ed., 2000. tradução de Marco Lucchesi)
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